quinta-feira, 25 de junho de 2009

O Bioma Marginal


Por Mary Janice.

Provavelmente muitos de vocês receberam um e-mail, nos últimos dias, intitulado “Amazônia: Peça o veto à grilagem”. Nada contra a preservação da Amazônia, da Mata Atlântica e dos outros biomas brasileiros, pelo contrário reconheço a importância da preservação dos biomas terrestres para o ambiente natural e principalmente para os seres humanos. Por este motivo, chamo a atenção para o bioma no qual estamos inseridos, a Caatinga, pouco conhecido do ponto de vista científico, marginalizado pelos órgãos competentes e devastado pela população que o ocupa.
A Caatinga é um bioma exclusivamente brasileiro ocupando ca. 734.488Km2, e 80% do território pernambucano. Entretanto suas características e sua importância biológica são desconhecidas pela população local e alguns mitos como: Pobre em diversidade de espécies; foi pouco alterada pelo homem por ser um ambiente inóspito, só aumentam nossa ignorância e preconceito com relação a este bioma. Estes mitos são absurdos, os poucos estudos realizados apontam para uma biodiversidade considerável, presença de espécies endêmicas e que a devastação atinge altos índices.
Todos querem trazer água para a caatinga e isso é muito interessante. Quem disse que a caatinga quer água? A irrigação é a sua morte, as espécies que vivem nela estão adaptadas a sobreviver com longos períodos de estiagem e com a irregularidade das chuvas. O homem sertanejo, ao longo do tempo, desenvolveu estratégias para sobreviver nestas condições tão adversas, é necessário que a tecnologia e o conhecimento científico, se voltem para o conhecimento e o desenvolvimento sustentável desse bioma e consequentemente a melhoraria das condições de vida da população sertaneja, sem que seja necessário matar a caatinga.
Enfim, precisamos valorizar esse ambiente único e tão fantástico do qual fazemos parte, procurando conhecê-lo, respeitá-lo e, sobretudo, conviver com suas adversidades, pois assim como plantas e animais, já estamos adaptados a elas, apenas não nos apercebemos desta realidade. Afinal com disse Euclides da Cunha “O sertanejo é antes de tudo um forte”.



quinta-feira, 18 de junho de 2009

Violência e indiferença social: uma sociedade que gesta a barbárie.

Por Tarcisio Novais.

Penso que poucos fenômenos sociais reflitam de forma tão contundente as contradições do mundo em que vivemos que a escalada incontrolável da violência urbana. Somos bombardeados diuturnamente por notícias que expõem índices de violência e brutalidade humanas que explicitam o grau de deterioração dos laços sociais a que chegou o mundo dito civilizado e, no que diz respeito à nossa realidade próxima, a sociedade brasileira.Há poucas semanas acompanhei, com grande pesar, mais uma tragédia familiar que se desenrolou aos nossos olhos, fartamente noticiada pela imprensa, e que ceifou a vida do jovem professor Igor Duque num semáforo em Recife, baleado por um menor.As características do crime, tal qual a crônica de uma morte anunciada, seguiram o mesmo padrão dos sucessivos assassinatos a sangue frio que vitimaram outras tantas preciosas vidas. Os sentimentos de horror, indignação, medo e impotência afloram em todos nós. Clamamos por justiça. E imagino também que todos buscamos intimamente respostas para compreender o que nos parece absurdo e inexplicável. É sempre um convite à reflexão.
As respostas imediatas da sociedade brasileira a crimes dessa natureza reverberam indignação, e invariavelmente demandam a ampliação das medidas repressivas e punitivas, seja através da criação de novas leis (como a redução da maioridade penal), ou cobrando uma atuação mais eficaz do aparelho repressivo do Estado. São propostas recorrentes que sempre vêm à tona em momentos de consternação da opinião pública. Uma indignação justa, em vista da gratuidade e brutalidade dos crimes, mas que infelizmente se manifesta em toda sua potência apenas quando vitimiza pessoas que por sua condição dispõem de visibilidade social, e com quem imediatamente nos identificamos pelo sentimento de proximidade.Entretanto, quando confrontada diante de fatos e números que atestam a magnitude da violência e do genocídio perpetrados diariamente contra a massa dos “invisíveis” sociais, a reação da sociedade perde muito de seu ímpeto, e resvala para o perigoso terreno da indiferença.
O imenso contingente populacional dos excluídos fadado à invisibilidade social se posiciona numa espécie de limbo político-jurídico, é dizer, apesar de formalmente contemplados pelas garantias da cidadania, na prática estão apartados de seu usufruto. Destituídos dos direitos econômicos e sociais básicos previstos pela constituição, são ademais as vítimas preferenciais da violência homicida, mormente a praticada pelo Estado, sempre marcada pela impunidade. Nossos excluídos sociais vivenciam uma condição humana análoga à do homo sacer, conceito teorizado pelo filósofo italiano Giorgio Agambem, figura jurídica que remonta ao direito romano arcaico, literalmente significando ‘homem sagrado’, aquele que, julgado e condenado por grave delito, era banido do convívio social, simultaneamente considerado indigno de ser sacrificado, por sua natureza impura, mas cujo homicídio não era considerado ato criminoso, ficando à mercê de toda sorte de violências, e na deprimente situação do eterno “estrangeiro”. Nosso homo sacer contemporâneo também experiencia uma forma análoga de exclusão-inclusiva, na medida em que é “insacrificável” sob os auspícios da norma legal; mas cuja eliminação é friamente tolerada (e até incentivada) pela sociedade.
Uma análise mais detida desses fatos irá apontar para sua implicação no contexto mais amplo do quadro sócio-econômico e das características da genealogia de nossa sociedade.Esta situação extremamente complexa carece de uma resposta mais profunda e corajosa da sociedade organizada, para muito além da mera hipertrofia do sistema penal, como querem os setores conservadores. Suas raízes tem ramificações diversas, mas as causas mais evidentes do problema podem ser delineadas com alguma clareza.No plano econômico-social é óbvia a vinculação entre o processo de globalização sob a égide do neoliberalismo e a progressiva deterioração do nível de vida dos setores mais carentes da população. Fenômenos universais tais como concentração de renda, desemprego estrutural, precarização do trabalho, progressivo desmantelamento das redes de proteção social, e crecente mercantilização das relações humanas são constitutivos deste padrão de globalização, processo que se intensificou velozmente nos últimos 30 anos. Ainda dentro da lógica vigente do capitalismo tardio e sua racionalidade econômica, aqueles indivíduos duplamente excluídos das esferas da produção e consumo recebem o status implícito de sub-cidadãos, que carrega em si os estigmas da inutilidade e descartabilidade, vivendo sob o signo do abandono.
No âmbito político verificamos um crescente ceticismo da sociedade brasileira em relação à efetividade e legitimidade da democracia representativa e suas instituições, fruto tanto do flagrante descompasso entre os direitos constitucionais formais adquiridos e a efetivação concreta das garantias sociais previstas; quanto do distanciamento indesejável entre a sociedade civil e os processos decisórios que lhe dizem respeito.
Somado a esse conjunto de fatores associam-se ainda o processo histórico peculiar da formação de nossa sociedade, com base econômica assentada durante muito tempo na mão-de-obra escrava de negros e índios, tendo evidentes implicações na construção de nosso paradigma político-jurídico, o qual muito assimilou dos elementos autoritários e de exceção decorrentes da relação senhor/escravo e da necessidade de controle social desse contingente de trabalhadores; ainda hoje reverberando na forma discricionária com que a justiça brutaliza negros e mulatos.
O aprofundamento recente deste amálgama de condições históricas sócio-político-econômicas excludentes sempre caminhou pari passu com a elevação dos índices de violência. Qualquer pessoa com mais de 35 anos é testemunha deste fato.
Em suma, me parece óbvia a necessidade de desviarmos o foco das soluções que privilegiam a hipertrofia penal e a criminalização dos movimentos sociais, tendências dominantes nos meios hegemônicos; para encararmos a penosa tarefa de reformular a sociedade a partir de suas raízes. A tarefa essencial a ser empreendida passa pela inclusão desses cidadãos hipossuficientes nas benesses da civilização. Reduzir a violência equivale a reduzir o desespero e a dor. Num estado anômico, materialmente desigual, sem valores e referenciais humanistas compartilhados coletivamente, a violência e a barbárie campeiam, inapelavelmente.
Em que pesem os avanços sociais do governo Lula , o que assistimos hoje é um aparelho estatal brasileiro que ainda assume para si como função principal a tarefa de controle social repressivo de uma sociedade desgovernada, que em muitos aspectos parece ter regredido ao estado de natureza hobbesiano, onde barbárie e selvageria pautam as relações humanas; se omitindo de seu papel constitucional de salvaguardar as garantias fundamentais e a dignidade humana.
Uma matéria recente do JC ( 10/06) exemplifica bem uma dessas variáveis que costumam ser desconsideradas na análise do problema. A reportagem aborda o fato de que aproximadamente 220.000 crianças e adolescentes estão fora da escola, só em Pernambuco, por razões as mais diversas, mas em geral vinculadas aos contextos inter-relacionados de omissão estatal e miserabilidade de suas existências. Que tipo de futuro é reservado a esses indivíduos no seio de uma sociedade estruturada sobre o individualismo competitivo e a prevalência do mercado, e com a omissão conivente do Estado? Como desconsiderar o nexo causal entre marginalidade econômica e marginalidade social? Como não imaginar que seu destino é quase inexoravelmente a criminalidade e a morte violenta?
São questões que, por mais que escamoteadas, teimam em retornar, como um conteúdo recalcado que produz sintomas, e cuja solução passa necessariamente por seu enfrentamento corajoso e realista, desde sempre postergado.
Enquanto insistirmos em considerar nossos excluídos causa das disfunções sociais e não seu mais acabado produto, a tendência continuará a apontar para um acirramento dos conflitos sociais com desdobramentos imprevisíveis. Esconder o problema debaixo do tapete dos sistemas repressivo-prisionais está longe de ser a solução.
Armas, muros, milícias, blindagens, cercas e afins apenas acentuam os matizes de guerra civil de nossa realidade, nos dando em contrapartida uma ilusória sensação de segurança.
Enfrentemos, pois, a verdadeira face do monstro, enquanto é tempo. Por nós, pelos nossos filhos, e por uma sociedade menos enlutada.

segunda-feira, 15 de junho de 2009

Apresentação

“Eu vou pronunciar, porque tu o mandas,
o Lógos que vem do fundo do coração”


“Embora Minos nos feche a terra e o mar, o céu, porém, certamente ficará aberto. Por lá iremos. ”


À guisa de apresentação, somos um pequeno grupo de amigos que temos em comum, além da amizade fraterna, uma vontade genuína de conhecer e partilhar conhecimento, reflexo de uma inquietude existencial implicada a uma postura inconformista perante uma realidade que muitos concebem, não desinteressadamente, como imutável e “natural”.
Iniciamos nossas reuniões há cerca de dois anos, motivados pela descoberta de afinidades intelectuais e culturais, em que a videolocadora Claket dos amigos Djnaldo e Mary desempenhou um papel fundamental, através da riqueza de seu acervo cinematográfico, atraindo pessoas que buscavam fugir dos processos de pasteurização e idiotização reinantes em nossa cultura.
Este espaço privilegiado engendrou a idéia do ‘clube do livro’, núcleo criado com o intuito de organizar reuniões periódicas para debater obras literárias, filmes, textos ou temas de interesse geral, sempre buscando o enriquecimento intelectual e humano através da troca de idéias, da pluralidade de opiniões e do estudo de grandes artistas e pensadores.
Em que pesem as naturais oscilações e dificuldades inerentes às relações humanas e à falta de tempo que caracteriza nossos ritmos de vida, o grupo vem sobrevivendo e, gradativamente, ganhando força e incorporando novos membros. Nossos encontros se transformam cada vez mais em momentos de celebração da amizade e fonte de prolíficos debates.
Nessas oportunidades a abordagem de temas sociais e existenciais é recorrente, fonte de debates acalorados e de indagações acerca das possibilidades objetivas de contribuir na prática para uma efetiva transformação de nossa realidade.
Dessas indagações surgiu a necessidade de nos deslocar do plano teórico para a atuação concreta na realidade, cônscios de nossas inúmeras limitações, porém cientes de nosso papel como sujeitos históricos e de nossa unidade dialética com o mundo. Parafraseando Karl Marx, poderíamos resumir nosso propósito afirmando que não basta interpretar e criticar a realidade, mas de objetivamente transformá-la.
Transformar a realidade, dentro de nosso contexto histórico política e ideologicamente esvaziado, passa necessariamente pelo uso da palavra, pela irradiação do Lógos , pelo combate ao discurso hegemônico dominante, matriz de nossa visão de mundo e ao mesmo tempo responsável pelo estado de apatia e imobilismo em que nos encontramos, tendo como corolário o imperativo contemporâneo do ‘pensamento único’, como operação ideológica de naturalização da realidade.
Compreendemos que o discurso, o uso político da palavra, concorre para transformar a consciência humana e livrá-la das mistificações, abrindo um campo enorme para a ação dos homens, mediante o uso da razão; mas uma razão despida de sua conotação instrumental e utilitária, uma razão que busca o reencantamento do mundo, um sentido maior do qual somos órfãos, e do qual dependemos visceralmente; uma razão que busca resgatar os valores universais de justiça e paz, e que busca uma nova ética, fundada em bases humanistas e desatrelada do relativismo contemporâneo, desintegrador dos laços sociais.
Tendo isso em mente surgiu a idéia de criarmos esse blog, como canal de interação com a sociedade, para dividir angústias, indagações e conhecimentos, enfim, para fraternalmente partilhar a luz interior que nos faz humanos, o “Lógos que vem do fundo do coração”.